Ney Matogrosso comemora 81 anos: ‘Meta de me aprimorar como ser humano persiste até hoje’

O cantor que nasceu na cidade sul-mato-grossense de Bela Vista, completa nesta segunda-feira, (01), 81 anos de uma vida com coragem, amor, romances e diversão de sobra. Ney abusou da espontaneidade e transparência ao relembrar, por exemplo, como descobriu a própria orientação sexual no fim dos anos 1950.

“Muitas pessoas viviam submetidas aos desejos da família”, pontua. “Prestava atenção nos amiguinhos desde criança, mas não concretizava nada. Realizei isso quando fui morar em Brasília, já tinha 20 anos. Não queria que fosse com qualquer um, só para fazer. Queria que fosse especial, alguém que chegou e me tocou. Eu não esperei, aí apareceu”, conta, recordando a primeira experiência homoafetiva.

Ney Matogrosso revisita momentos marcantes da trajetória dele — Foto: Trumpas/Gshow

Foi no Santo Daime que ele começou a encontrar o equilíbrio emocional que precisava. “Toda vez que as pessoas falavam de terapia comigo, eu tremia, meus dentes batiam. Olha como foi forte”, reflete. “Frequentei o ritual por um ano e meio no Amazonas e parei porque achei que estava muito acelerado. Eu só via duas alternativas: me meter dentro de uma caverna até alcançar a iluminação ou ir para o mundo e eu escolhi a segunda opção, mas a meta de me aprimorar como ser humano persiste até hoje”.

Louco É Quem me Diz

Viver a própria sexualidade como sentiu que deveria não evitou que se relacionasse com pessoas que preferiam manter os momentos de intimidade longe dos holofotes, o que ele respeita ainda hoje. “Teve gente que eu não contei, porque a família da pessoa sabia na época e ficava escandalizada com aquela situação. Por que vou falar hoje de pessoas que já morreram?“, questiona o artista ao rememorar os amores que teve na vida.

Apenas com um deles, o médico Marco de Maria, dividiu o mesmo teto, por 13 anos. “Era um relacionamento aberto, mas éramos os preferidos um do outro. Transávamos muito. Ele fez o teste de HIV e testou positivo. Fui fazer o teste achando que também seria soropositivo e deu negativo. Não era para ser. Em momento algum o culpei por nada e cuidei dele até o fim. Como eu não iria cuidar?“.

Ney Matogrosso fala de peito aberto ao Gshow — Foto: Trumpas/Gshow

Já o desejo de ter filhos foi algo que nunca bateu muito forte para o cantor. Ney acredita que “ficaria dividido” entre o trabalho e a criação de uma criança. “Acho que para educar uma pessoa você tem que estar perto vendo detalhes, a formação dela, e eu não teria esse tempo. Quando pensei nisso tinha 40 anos e estava pipocando por aí. Ser pai foi algo que passou pela minha cabeça, mas, felizmente, foi embora“.

Homem com H

Com a mesma desenvoltura com a qual descreve os romances que viveu, Ney fala sobre as experiências que teve com as drogas, em especial o LSD, e também é categórico em afirmar que nunca foi viciado em nenhuma delas. “Somente em sexo fui viciado, mas não sou mais. Tinha que transar todos os dias, do contrário não dormia, ficava ansioso. Isso foi dos 30 aos 40 anos. Naquela época não havia AIDS no mundo, as pessoas eram mais disponíveis”.

 

Ele conta que odeia álcool e que já fumou, mas “um belo dia disse ‘não quero mais você na minha vida’. Joguei fora [os cigarros] e nunca mais fumei”. O músico se diz favorável à legalização da maconha e também do aborto, desde que tudo seja feito de forma estruturada.

Acho que tudo tem que ser liberado e as pessoas devem ser responsáveis pelas vidas delas, mas para que isso aconteça elas precisam receber educação, saber ler, escrever, entender o mundo em que vivem. Acredito que no momento em que chegar nesse patamar de civilização tem que ser tudo liberado.

— Ney Matogrosso

A Lua Iluminou… a Dança, a Roda, a Festa

 

Ainda no segundo semestre de 2022 entra em cartaz, em São Paulo, a peça biográfica “Ney Matogrosso: Homem com H”, que pretende contar da adolescência do cantor até o relacionamento com Cazuza, com quem viveu uma intensa paixão, que se transformou em amizade. “Eu o acompanhei até o fim, ia até a casa onde morava e massageava os pés dele”.

Os responsáveis pela adaptação do espetáculo convidaram o artista a participar do processo de seleção do elenco, mas ele recusou. “Eu disse: ‘De jeito nenhum. Não quero essa responsabilidade’. Portanto, não estou envolvido com nada que façam ao meu respeito, depois vou assistir, é claro. A vida de ninguém cabe em uma hora, nem no cinema, nem no teatro. Então, já entendi que é apenas uma adaptação”, ponderou, reiterando que o trabalho conta com a autorização dele.

Após se apresentar no Rock in Rio Lisboa, em junho e também nos Estados Unidos, em julho, ele segue com a turnê “Bloco na Rua”, que já tem shows agendados para Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Itaipava (RJ). “Estou fazendo esta turnê, que comecei antes da pandemia e agora está fazendo um sucesso enorme. “Eu vou levar enquanto der, como foi com ‘Atento aos Sinais’, com a qual me apresentei por cinco anos. Enquanto ‘Bloco na Rua’ estiver vivo, ele existirá”.