“Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar sua confiança em Deus”, afirma o documento.
Levando em conta que o Papa vê a benção como parte da fé popular, a decisão amplia o acesso de forma clara aos casais do mesmo sexo, um tema que suscita tensões em seu interior devido à forte oposição da ala conservadora, especialmente nos Estados Unidos. Apesar de não serem reconhecidos pela Santa Sé, casais do mesmo sexo já foram abençoados por religiosos em ocasiões anteriores, principalmente na Bélgica e Alemanha.
Segundo o documento, a bênção poderá ser concedida por um ministro ordenado, isto é, diáconos, presbíteros e bispos. Como não pode ser vinculada a nenhum rito religioso do sacramento, poderá ocorrer em lugares como “visitas a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação”.
“O pedido de bênção expressa e alimenta, portanto, a abertura à transcendência, à misericórdia e à proximidade de Deus em mil circunstâncias concretas da vida, o que não é pouca coisa no mundo em que vivemos”, diz o documento, afirmando: “É uma semente do Espírito Santo que deve ser alimentada, não impedida.”
Essa decisão “esclarece as coisas, porque havia um vazio nessa questão”, explicou à AFP Patrick Vadrini, especialista em direito canônico e professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma.
— Ao definir grandes normas gerais, a Igreja deixa nas mãos de quem tem contato direto com as pessoas a aplicação da norma — afirmou.
O padre americano James Martin, conhecido por seu compromisso com os fiéis LGBTQIA+, comemorou a decisão na rede social X (antigo Twitter), afirmando que será um “grande avanço no Ministério da Igreja para as pessoas desta comunidade”.
Por outro lado, poderia intensificar a oposição da ala tradicional da Igreja, em um momento em que se multiplicam as críticas dos conservadores sobre a gestão do Papa Francisco.
A declaração é divulgada seis semanas após a conclusão do Sínodo sobre o Futuro da Igreja Católica, uma reunião mundial consultiva na qual bispos, mulheres e laicos debateram questões sociais como a aceitação de pessoas LGBTQIA+ e os divorciados que se casaram novamente. No início de outubro, cinco cardeais conservadores pediram publicamente ao Papa para reafirmar a doutrina católica sobre os casais homossexuais, mas o documento final do Sínodo não incluiu essa questão.
Em 2021, o Vaticano reiterou sua opinião de que a homossexualidade é um “pecado” e confirmou que os casais do mesmo sexo não podem receber o sacramento do casamento, num ato que foi visto como uma vitória para a ala mais conservadora da Igreja. A nota oficial divulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé dizia que “Deus não pode abençoar o pecado”.
O documento de 2021 desatou um clamor que aparentemente surpreendeu até Francisco, apesar de ele ter aprovado tecnicamente sua publicação. Pouco depois, demitiu o funcionário responsável pela redação e começou a preparar as bases para uma reversão, o que ocorreu agora.
Anteriormente, Francisco endossou a proteção legal a uniões homoafetivas na esfera civil, não dentro da Igreja, em comentários divulgados em um documentário lançado em outubro de 2020. As declarações, à época, foram consideradas as mais fortes já feitas por um Pontífice em defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+.
No início deste ano, o Papa Francisco considerou como injusta a criminalização da homossexualidade, como ainda fazem alguns países. Em entrevista à Associated Press, o Pontífice afirmou que Deus ama todos os seus filhos como são e defendeu que as pessoas LGBTQIA+ sejam bem recebidas na Igreja.
— Ser homossexual não é crime — disse Francisco. — Não é crime, mas é pecado. Tudo bem, mas primeiro vamos distinguir entre um pecado e um crime. Também é pecado não ter caridade uns com os outros.
Os acenos à comunidade LGBTQIA+ começaram logo no início de seu papado. Em 2013, conversando com a imprensa na volta de sua primeira viagem como Pontífice, do Rio de Janeiro para Roma, ele questionou: “Se a pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”
Em 2018, um chileno contou que o Papa lhe disse que Deus o fez gay e o ama assim. Em 2019, o Pontífice comparou políticos e líderes de governo que atacam homossexuais, ciganos e judeus ao ditador nazista Adolf Hitler. No ano passado, em 2022, Francisco declarou que os pais não devem condenar filhos homossexuais, mas lhes oferecer apoio.